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26.09.2014

Primeiros reflexos da Lei n. 12.846/2013

Eduardo Henrique Soerensen Garcia

Nos últimos anos, temos observado no cenário mundial uma clara diminuição da tolerância em relação à corrupção, em especial nos países com maior nível de desenvolvimento econômico e social, i.e. países da América do Norte, Europa e Oceania.

Já é evidente que a manutenção de forma impune de recursos não declarados em paraísos fiscais será uma possibilidade cada vez menor nos próximos anos. Vários bancos e empresas, e até a nobreza, têm sido investigados e condenados (ou, ainda, firmado acordos milionários para evitar uma condenação) por facilitar a ocultação de valores obtidos de forma irregular.

Alguns fundos de investimento estão hoje proibidos de aplicar seus ativos monetários em empresas envolvidas ou condenadas em investigações por corrupção. Da mesma forma, já é comum a inclusão de cláusulas prevendo o vencimento antecipado de contratos de empréstimos, com a consequente obrigação de reembolso imediato do valor emprestado por empresas corruptoras.

No âmbito nacional, as empresas estrangeiras em observância às normas internacionais anticorrupção, em especial FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) e a Bribery Act (lei anticorrupção Britânica), há tempos instituíram em suas empresas brasileiras controladas política de compliance, exigindo um alinhamento de seus negócios e funcionamento às práticas anticorrupção.

Demorou, mas o Brasil não ficou de fora. Como resultado de pressões externas e internas contra a corrupção, em 02/08/2013, foi publicada a Lei 12.846 que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, imediatamente chamada de Lei Anticorrupção.

Qualquer discussão a respeito dos aspectos e efeitos jurídicos desse novo ato legal, que entrou em vigor em fevereiro deste ano, pode ser prematura e não passará de especulação, mesmo porque ainda se aguarda o decreto que irá regular a matéria. Todavia, chama a atenção o interesse despertado no assunto, o que comprova que, ao eleger as pessoas jurídicas como passivas de responsabilidade objetiva por práticas de corrupção, o legislador aparentemente atingiu o alvo. Até aqui, somente as pessoas físicas estavam sujeitas às punições legais (previstas no Código Penal, p. ex.) que contavam, quase sempre, com a proteção das empresas em que trabalhavam – na maioria das vezes, os verdadeiros corruptores-, tornando, em termos práticos, muito difícil uma condenação.

Neste cenário, algumas empresas mais sérias e preocupadas não apenas com as multas, mas também com os danos praticamente irreparáveis à sua imagem e a de seus acionistas que poderiam ser causados pelo envolvimento em uma prática de corrupção, estão iniciando programas internos de revisão e ajustes de suas práticas (compliance).

O compliance merece um cuidado especial; ele jamais atingirá o seu propósito se montado apenas como atenuante para uma eventual punição no âmbito da Lei Anticorrupção (art 7°, VIII).

O uso de programas de “gaveta”, pré-fabricados e oportunistas, é perigoso e pouco eficaz e não atinge as particularidades de cada empresa, e, com o tempo, as práticas indevidas serão retomadas.

Entendo que as premissas abaixo listadas são cautelas essenciais para a estruturação de qualquer programa:

a) A participação permanente dos diretores e conselheiros da empresa (“tone at the top”) como patrocinadores do programa é fundamental;
b) Treinamentos regulares são, da mesma forma, indispensáveis;
c) Não existe materialidade quando se trata de corrupção. Por isso, os consultores responsáveis pelo programa devem investir tempo para conhecer de maneira profunda a empresa, seus objetivos, procedimentos e desafios, os fornecedores, os
clientes e as relações com órgãos públicos;
d) Mesmo sabendo que a Lei Anticorrupção brasileira dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, o compliance deve analisar necessariamente as operações com outras empresas privadas.

Nesse primeiro ano de promulgação da Lei Anticorrupção é possível verificar o aumento da implantação de programas de compliance nas estruturas das empresas. Dessa forma, a tendência lógica é a criação de um setor diferenciado, mais preocupado com a transparência de seus procedimentos e formador de um novo senso de boa conduta.